Apaixonado por fotografia

Por Gabrielle Pacheco
Um ícone da fotografia e do jornalismo de Novo Hamburgo se vai. Alceu Feijó faleceu hoje (20), aos 93 anos, por causas naturais em sua residência. Por sua importância e contribuição à história hamburguense, resgatamos uma reportagem feita sobre sua vida à Expansão, na edição 158, de janeiro de 2013. Confira:

 

Um jovem que estudou mecânica, mas que ao longo dos anos foi seduzido pelas lentes e câmeras fotográficas. Esse é Alceu Feijó, 86 anos, natural de São Francisco de Paula (RS), que já observa os passos da quarta geração da sua família, composta por quatro filhos, sete netos, oito bisnetos e um tataraneto. Na sua residência no Centro de Novo Hamburgo (RS), Feijó gentilmente abriu as portas para a equipe da Expansão RS e contou um pouco da sua vida e carreira de sucesso com a fotografia. Mostrou-se simpático, dedicado à família e muito à vontade para falar sobre ele. Em momentos, demonstrou sua preocupação com o Rio dos Sinos, e surpreso com o crescimento de Novo Hamburgo.

Com um invejável arquivo pessoal, que conta com 110 mil negativos de filmes fotográficos, todos eles nomeados e catalogados, inúmeras câmeras que utilizou durante sua carreira, Feijó está feliz com os resultados obtidos.

Apresentou com carinho à equipe de reportagem, inúmeras fotos, entre elas as tiradas durante a cobertura da Copa do Mundo de 1970, no México. Feijó argumenta que nunca teve grandes ambições. Mas destaca a cobertura do maior evento de futebol do planeta. “Para um jornalista e fotógrafo é o máximo que ele pode conquistar”, afirma. A seguir, sob o olhar de Feijó, contamos um pouco não só da história desse grande e renomado fotógrafo, mas também da evolução de Novo Hamburgo.

Como os cliques começaram

Com 13 anos, Feijó mudou-se com os pais para Novo Hamburgo (RS), após foi estudar na Escola Técnica Estadual Parobé, em Porto Alegre (RS). Onde um dos seus principais hobbies era a coleção de fotografias de futebol retiradas do jornal Folha da Tarde, da Empresa Jornalística Caldas Júnior, e guardadas em um álbum. A paixão pela fotografia foi crescendo à medida que seus amigos do internato em Porto Alegre começaram a fazer fotos e vender para os veículos de comunicação. “Além de tudo, ainda dava pra ganhar dinheiro com fotografia”, exaltou Feijó.
Após formar-se, retornou para Novo Hamburgo para lecionar mecânica no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), durante os anos 1947 e 1948. Em 1949, já dividia as aulas com a fotografia, que eram publicadas no Folha da Tarde, com o crédito assinado Hamburgo Velho/Especial, sem citar seu nome.

Feijó lembra que certo dia, no famoso ponto de concentração da sociedade hamburguense da época, o Café Avenida, conversara com políticos amigos do seu pai, que o apresentaram para o jornalista do Folha da Tarde, Vinícius Bossle. Jornalista, o qual lhe propôs uma parceria para realização de reportagens em Novo Hamburgo e região.

Feijó acredita que seu interesse pela fotografia jornalística tenha sido herdado do seu bisavô, Carlos von Koseritz, jornalista e escritor, e do seu avô Mário de Sá, que atuou como editor do jornal Correio do Povo, também da Caldas Júnior. Feijó lembra das visitas ao avô no Correio do Povo. A dupla Feijó e Bossle se mantivera por 33 anos, com inúmeras reportagens de repercussão na mídia, pois naquele tempo, poucos eram os fotógrafos e jornalistas do interior que alcançavam sucesso em periódicas da capital.

A primeira reportagem

No mesmo dia em que fechou a parceria com Bossle, Feijó já realizou a sua primeira reportagem. “Foi na cadeia de Novo Hamburgo. Bossle soube que os presos levantavam as tábuas do assoalho e que embaixo dele havia um arroio por onde os presos fugiam. Eles passavam a noite fora, roubavam, faziam festas. Alguns fugiam mesmo, outros retornavam. E a polícia não sabia como eles fugiam. Fomos lá, fizemos a reportagem e as fotos. No outro dia, saiu na capa”, ressalta Feijó.

O fotógrafo trabalhou para outros jornais como Folha Esportiva e Folha da Manhã. “Na época, eu ganhava 20 centavos por foto publicada. Fazia fotos em eventos da Sociedade Aliança, Clube América de Tênis, futebol varzeano, aniversários e casamentos”, detalha.

As prediletas de Feijó

O fotógrafo contou que duas foram às fotografias que marcaram a sua vida. Em uma viagem para Londres, na Inglaterra, acompanhando empresários calçadistas, Feijó saiu do hotel para fotografar e conhecer as ruas da cidade. Foi quando resolveu fazer uma fotografia. “Avistei uma moça sentada em um bar, fumando um cigarro. Ela estava completamente fora do mundo. Naquela ocasião eu utilizei uma lente 35 milímetros”, explica. Feijó lembra da surpresa ao revelar a foto na volta à Novo Hamburgo. “Quando revelo o filme, percebo que a cena ficou constituída da mulher pensativa, e quatro vultos de homens estavam indo embora, como se estivessem fugindo daquela mulher. Eu só vi isso na revelação”, aponta.

Outra fotografia citada por Feijó foi uma que ele fez em Colônia, na Alemanha. “Eu estava atravessando uma avenida, olhei em direção a cidade. Tinha um rio, a cidade, uma escada em espiral e um cidadão idoso parado bem em cima da escada. Pensei comigo. Vou fazer uma composição bem bonita, céu nublado, luz difusa, com recorte na escada. Já em Novo Hamburgo, revelo a foto e percebo que embaixo havia um garotinho correndo para subir a escada. Dei o nome da foto de A espiral da vida”, destaca Feijó.

“A outra fotografia é uma fotografia orgânica. Tu interagia teu corpo, teus sentidos, teus sentimentos com a máquina.”

A fotografia ontem e hoje

Para Feijó, antigamente a fotografia era bem diferente do que se vê hoje. “Tem dez pessoas para pedir e mandar as fotos, dar palpite. Naquele tempo o fotógrafo fazia o que achava que tinha de ser feito”, opina. Para ele a fotografia hoje é contemplativa. “Quem não compra uma câmera digital?”, questiona. Feijó conta que começou a utilizar as câmeras digitais, mas não são comparáveis as câmeras antigas. “A outra fotografia é uma fotografia orgânica. Tu interagia teu corpo, teus sentidos, teus sentimentos com a máquina. Vai ter uma momento em que você vai bater a foto. Mas, por quê? Porque acontece uma cena, que te tocou, tu não sabe porque clica. E depois disso, tua iria revelar. Tua mão caminhava sobre a fotografia, tu escurecia um lado para diminuir a luz, tinha interação completa”, observa.

Feijó comenta que com as câmeras digitais se faz a foto muito rapidamente, e o que ele não quer tirar o lugar dos novos fotógrafos no mercado de trabalho. “Já tenho mais de 80 anos, mas vivo com a fotografia. Isso vale mais que um avião”, exemplifica.

O fotógrafo e vendedor sapatos

Ao longo da carreira, Feijó teve a oportunidade de ser vendedor de sapatos. Ele conta que aceitou a proposta porque iria percorrer todo o Estado, para fazer fotos inéditas, como o primeiro êxodo de colonos do interior de Passo Fundo (RS) para o Norte do País, o caso da índia do Jacuí, em Uruguaiana. “Eu tenho a foto de quando a indiazinha tinha 2 ou 3 anos de idade. Foi uma grande repercussão”, conta. Feijó afirma que está satisfeito com as fotos que fez na sua vida. “Fiz fotos inéditas, trabalhava sozinho no interior e quando vendia sapato na Bahia, ia de carro até lá. Uma das condições de um fotógrafo como eu, de uma empresa, é ter reconhecimento da região”, explica.

“Acho que o desenvolvimento de Novo Hamburgo é um mistério. Porque ninguém sabe explicar.”

A Novo Hamburgo de Feijó

“Acho que o desenvolvimento de Novo Hamburgo é um mistério. Porque ninguém sabe explicar”, afirma Feijó. O fotógrafo contextualiza que a afirmação pode ser explicada a partir de uma foto que ele possui. “Tenho uma foto aérea de 1980. Só tinha dois prédios e um edifício no Centro. Nessa década iniciou o boom da exportação de calçados. Foi aí que iniciou as inúmeras construções de novos prédios”, explica. Mas, para Alceu Feijó, o grande problema da cidade ao longo da história que sempre foi discutido e nunca foi atendido é o Rio dos Sinos. “Até hoje ninguém dá bola, o rio está apodrecendo”, salienta.

Ele lembra também da prisão de vários empresários na década de 80 pela prática ilegal do jogo de cartas, que na época era proibido. Feijó caracterizou o fato como o pior acontecimento já visto em Novo Hamburgo. O fotógrafo conta que acompanharam a batida policial em um casebre onde esses empresários jogavam escondidos. Com todo o cuidado, ele fez a foto que foi parar na contracapa da Folha da Tarde. “Minha maior preocupação era ferir aquelas pessoas, porque tinha amigos meus envolvidos. Mas, fui à Porto Alegre e nunca havia pedido para o editor dar destaque para uma foto, mas nessa oportunidade eu solicitei. Depois de publicado, com essa foto eu conquistei a coragem e a independência para seguir na fotografia”, finaliza.

Por Gustavo Henemann | Foto: Homero Schuch/Especial
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